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Psicologia Analítica de C. G. Jung


A abordagem psicológica proposta pelo suiço Carl Gustav Jung foi sintetizada pelo analista norte-americano James Hillman em seis ações que descrevem sua forma de trabalhar. Tento descrever, abaixo, essas ações segundo as palavras do autor (Hillman 1973):


1. Jung considera que as imagens das fantasias são os fundamentos da consciência, procuramos por elas na terapia mesmo que elas não apareçam como tais. Há pacientes que dizem "não possuírem fantasias". Elas existem, disfarçadas em planos, em relatos sobre eles mesmos, em fragmentos da cultura popular que os fascinam, em especial, em aversões e desejos pessoais. Jung propõe uma escuta metafórica, imaginativa desse material: tentando "ouvir por dentro" a fantasia, em vez de ater-se ao conteúdo literal. Isso pode ser chamado de
desliteratização.

 

2. Jung direciona a sua abordagem do indivíduo como uma tentativa de implicá-lo no que é chamado individuação. Essa individuação pode ser definida como "um processo de diferenciação" em relação a si mesmo e ao coletivo. A psicoterapia analítica procura separar e fazer distinção entre as partes da personalidade. Pedimos às partes para se identificarem. Isso, ao mesmo tempo em que alivia as identificações com os complexos (núcleos emocionais carregados de sentimentos que quando são “cutucados” produzem reações emocionais intensas e, por vezes, descontroladas – Jung as chamava de “pessoazinhas”), ajuda a esta estabelecer um estado de coesão intrapessoal, consolidando então a identidade pessoal do indivíduo. Distinguimos as partes da personalidade indagando de cada sentimento, opinião, reação, a que complexo pertence. Metaforicamente perguntamo-nos: "Quem está falando agora? A Mãe, Herói, o velho?" Procuramos desenvolver o autoconhecimento individual através do conhecimento das diferentes coletividades que falam através do eu (as tais “pessoazinhas”). Somente quando estas se tornam distintas e identificadas, somos capazes de descobrir que pessoa alguém é. Isso é diferenciação.



3. Se diferenciar significa também ser diferente, da mesma forma que individualidade quer dizer ser único e, portanto, peculiar, nós dirigimos o enfoque para o singular. O excêntrico, aquele que não se enquadra, as anormalidades psicopatológicas são vistas como germes de individualidade e não como falhas a eliminar. Mantemos relação com os sintomas, mas não colocamos o foco em cima deles. Procuramos reconectar as várias partes supostamente equilibradas ou curadas da personalidade com seus aspectos de excentricidade, de modo a não perdermos (suprimirmos) o contato com eles. Mantendo-nos conscientes da psicopatologia, que significa o aspecto anormal de todas as ditas normalidades, esperamos estar evitando pseudocuras baseadas em "repressões terapêuticas". Isso é patologizar.

 

4. Se o valor mais alto em personalidade ser expresso por Jung pelo termo Si-mesmo (Self), definido como parcialmente transcendental e impessoal, visamos a afastar a personalidade de um estado de afinidade demasiadamente pessoal, quer na transferência quer nas relações em geral. A terapia insiste no desenvolvimento de relações com assuntos impessoais e nas experiências com o aspecto impessoal das relações. Admitimos que os relacionamentos em nossa cultura humanística contemporânea não são tão limitados como se diz por ai, mas sim que eles estão sobrecarregados com exigências coletivas muito além da capacidade de um ser humano apenas desempenhar. O que as pessoas esperam das mães e dos pais, professores, amigos e amantes, está muito além da capacidade dos seres humanos como pessoas; os indivíduos exigem que estejam presentes no seu próximo, qualidades que, em outras culturas, estão presentes apenas nos deuses e deusas. Os movimentos no sentido de impessoalizar o relacionamento e remeter ao impessoal são ajudados pelo terapeuta de várias maneiras: mediante atenção seletiva, mediante interpretações, mediante o estilo de relação terapêutica, que busca ser tanto pessoal como impessoal, e mediante interesse pelos sonhos. Preferimos não traduzir os sonhos em explicações ou conceitos psicológicos. Em vez disso, respondemos ao sonho numa linguagem semelhante, inclusive contando um sonho em troca. Deslocamo-nos para longe do pessoal, dirigindo-nos para o narrativo e para o mitológico, mediante a conversação sobre o imaginário, a conversação personificada, através de alusões a ficções de todos os tipos (filmes, contos de fadas, teatro). Concentrando-nos antes nas imagens do sonho, do que em sua tradução, esperamos revitalizar a imaginação do paciente. Isso é remitologizar.



5. Para Jung as imagens que a mente e o instinto produzem são concebidos como dois aspectos de uma única e mesma estrutura mental (e não em categorias como "mais baixo / desimportante" ou "mais alto / importante"). Por isso quando, na terapia, enfatizamos imagens da fantasia também enfatizamos o instinto. Uma abordagem direta, através de terapia comportamental, ou apenas corporal, é evitada em benefício do engajamento psicológico com imagens, de modo que a vitalidade instintiva e a diferenciação psíquica sofisticada caminhem juntas. Isso leva a uma adaptação mais imediata e intensa, que é, ao mesmo tempo, culturalmente mais imaginativa, desenvolvida por meio de música, pintura ou do trabalho escrito, ou pelo trabalho com sonhos, ou da abertura dos olhos da imaginação para a vida quotidiana. Isso pode ser denominado vitalizar.

 

6. A origem da “doença dos nervos” é, para Jung, é simplesmente "unilateralidade". Por causa disso, a terapia de qualquer espécie de neurose (“doença dos nervos”) visa a ampliar a consciência para além da unilateralidade dominante geralmente no eu até que ele alcance as outras personalidades parciais (as pessoazinhas citadas anteriormente). O paciente aprende métodos de continuar o processo de exercitar o seu contato com o seu mundo interior depois de cessada a terapia. O paciente é ensinado a fazer isso ou através de diálogos intrapessoais entre as partes dele mesmo, ou pela reflexão sobre imagens dos sonhos, examinando-as em pensamento durante o dia, conservando-as vivas. Em especial trabalha para que as partes imutáveis e as imagens desagradáveis que têm maior probabilidade de serem reprimidas sejam mantidas perto, ao alcance da atenção. Esse trabalho contínuo sobre o fundamento psíquico do indivíduo, essa familiaridade com as múltiplas personalidades proporciona um aumento da abrangência e do espaço internos e maior profundidade à personalidade. Dá uma definição mais precisa, unificando a dispersão e afrouxando a unidade unilateral. Isso pode ser denominado consolidar.

Carl. G. Jung

 

DE RERUM VARIETATE

“Como manter tantas várias coisas juntas e como impedir que se confundam e misturem?”

João de Barros (1496 – 1570)

 

 

Uma página que busca vincular as minhas experiências pessoais, minha visão de mundo e todo o meu passado como psicoterapeuta à minha atividade atual como professor e pesquisador da informação.

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